segunda-feira, outubro 29, 2012

Sobre um texto de Isabel do Carmo ...

Meus Amigos,
Gostei de ler o texto da Isabel do Carmo.
Como eu me recordo destes tempos !...
Vivi em várias terras, de Norte a Sul, desde finais dos anos quarenta até ao início dos anos setenta - estou em Lisboa/Almada desde 1973.
Em cada uma delas, encontrei gentes de todas as "classes" sociais, gentes com formação, sem formação, com posses, sem posses.
Em cada uma delas, encontrei hábitos, costumes e tradições diferentes, digamos, com particularidades culturais diferentes.
Em cada uma delas, senti o ambiente e efeitos do regime de então, cujo cenário à minha volta não era diferente do que outros viveram, mais coisa, menos coisa, em outras localidades do País.
Como outros, senti o conforto de ter nascido em família privilegiada, ao contrário de outros que não tiveram essa sorte.
Isso não significava indiferença, passar ao lado das difíceis realidades.
Bem pelo contrário, os valores que me foram transmitidos pela família e amigos deram-me a força e alicerce necessários à sensibilidade para compreender essas realidades e contribuir, dentro do possível, para as tornar menos dolorosas.
Desde muito jovem, lá encontrava formas de as contornar, ajudando os que mais necessitavam, começando pelos colegas de Escola.
Tudo o que apanhasse à mão, lá em casa, era metido em sacos, às escondidas, e levado para a Escola, onde os colegas pobres me aguardavam, ansiosos.
Às escondidas, mas os meus pais bem sabiam o que fazia.
Tenho bem presentes as imagens de filas de gentes pobres, à nossa porta, aguardando os alimentos e roupas que a minha mãe mandava distribuir, com tanto gosto - era tarefa diária.
Claro que havia famílias com comportamento diferente, sem qualquer atitude solidária.
Segundo tenho ouvido, sempre houve e haverá atitudes e comportamentos diferentes, enquanto o humano existir, mais ou menos integrado em Sociedade.
Vivi o cenário do compadrio, da influência, da cunha, da facilidade, da corrupção, do "Feudalismo", etc., até ao histórico 25 de Abril de 1974.
Tudo, porque os humanos existiam e se instalavam nos seus castelos do privilégio, que construíam, com maior ou menor dificuldade.
Distribuíam os seus proveitos com a legitimidade que lhes era conferida.
Alimentavam o Estado, conforme a legislação vigente.
Tantas vezes substituíam o Estado, nas suas obrigações, nomeadamente, sociais.
Não esquecer que o tal cenário se estendia aos próprios Agentes do Estado, pois se permitiam diversos actos impróprios de Servidores do Estado - era o sistema ...
Também sabemos do interesse de alguns senhores, ligados ou não ao Estado, em manter a questão colonial, bem à custa dos jovens da altura, cuja alternativa seria a fuga para o estrangeiro.
Também me recordo da forte emigração, pois a vida era difícil, principalmente, para a grande fatia da população sem qualificação académica ou profissional.
Finalmente, tudo começou a sorrir, com o 25 de Abril de 1974 !
Mas, será que aquelas componentes do tal cenário deixaram de existir ?
Tenho pena, como outros terão, mas não posso dizer que sim.
Mudam as moscas humanas, mas a "merda" continua.
Recalcamento, complexo, oportunismo, habilidade, abuso, tudo é humano ...
E digo isto, sem deixar de reconhecer que é histórico, é cíclico ...
Foi Sol de pouca dura ...
Lá estão os tais humanos, com os seu defeitos, ajudados pela educação deficiente, que vem de longe.
Mas, onde estão os tais senhores do poder, privilegiados e protegidos, que tanto amarfanhavam e escravizavam o povo, durante dezenas de anos ?
Parece que estão aí, disfarçados ...
Era inimaginável o seu regresso, assim como o retorno ao tal cenário ...
Afinal, a Democracia não é aceite ou entendida por esses senhores que voltaram, disfarçados, agora, com atitude e comportamento ainda mais humanos ...
Lamento ter que reconhecer uma grande diferença: enquanto os tais senhores do antes do 25, além de alimentarem o Estado e o substituirem nas sua obrigações, alimentavam muitas bocas, os regressados, disfarçados, além de não alimentarem o Estado e o substituirem nas suas obrigações, alimentam as suas próprias bocas, apenas, e à custa da boca do povo ...

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